A escola na cultura digital
Entrevista com JOHN PALFREY & URS GASSER
Nos
últimos anos, John Palfrey e Urs Gasser têm-se dedicado a estudar a
cibercultura. Ambos fazem parte da equipe do Berkman Center for Internet and
Society, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. A principal missão do
Berkman Center é explorar e entender o ciberespaço, estudar aspectos como
desenvolvimento, dinâmica, normas e padrões, verificando a necessidade ou não de
leis e sanções nesse âmbito.
Além de atuar como pesquisadores e professores, Palfrey e Gasser são autores de
diversas obras na área, incluindo Nascidos na era digital: entendendo a
primeira geração de nativos digitais, lançado no Brasil pela Artmed. Nesta
entrevista, concedida por e-mail, eles analisam o papel das tecnologias de
informação e comunicação, assim como as peculiaridades dos nativos digitais.
Quais são as principais diferenças cerebrais entre
nativos e imigrantes digitais?
Ainda não sabemos quais são as principais diferenças ou exatamente a que se
poderiam atribuir eventuais diferenças. Porém, tendo em vista que sabemos que
atividades no âmbito social, como imersão em mídia digital, são o que muda o
circuito cerebral e que os efeitos perceptíveis de tais mudanças também estão
no nível social, talvez seja melhor mudarmos nosso foco para os níveis
cognitivos e sociais em vez de fisiológicos ou biológicos. Por mais
surpreendente que pareça, quando se trata de nativos digitais, a ciência social
pode ser melhor do que a neurociência para explicar, compreender, prever e
criar intervenções, mesmo que os fenômenos subjacentes sejam
neurológicos.
Quais são algumas peculiaridades dessa geração?
Os nativos digitais são mais hábeis no que se refere ao uso de ferramentas
tecnológicas. Eles têm mais familiaridade e, por conseguinte, mais chances de
entender rapidamente as novas ferramentas que encontrarem. São muito mais
propensos a adotar a tecnologia e recorrer a ela como seu primeiro porto de
escala quando buscam informações. A tecnologia é essencial para a socialização,
e os espaços eletrônicos desempenham um papel mais importante na exploração e
no desenvolvimento da identidade.
Como essas diferenças se refletem no modo como eles aprendem?
Em primeiro lugar, quando as crianças aprendem a buscar informações on-line com
base em necessidades pessoais, como a vontade de consultar guias de estratégia
ou truques para videogames, elas desenvolverão um conjunto de técnicas e
prioridades que podem não ser ideais para realizar pesquisas acadêmicas para a
escola. Em segundo, existem muito mais oportunidades para aprender pelas quais
um jovem se interessa. Em terceiro, muitos jovens desenvolvem relações de
“tecnomentores”. Isso ocorre quando um jovem desenvolve perícia em alguma
atividade, como eliminar um vírus do computador ou ser muito bom em algum jogo
eletrônico, e depois atua como mentor dos outros jovens de maneira limitada e
socialmente fluida para transmitir o conhecimento que adquiriu. Essa
habilidade, por sua vez, pode permitir que seus amigos atuem como tecnomentores
para outros, e assim por diante. Os jovens aprendem e ensinam por motivos
sociais e pessoais; o ensino e a aprendizagem ocorrem por meio de canais
sociais e pessoais.
No mundo digital, a noção de tempo é diferente se comparada ao mundo
analógico. O que é importante aos professores saberem para lidar com os jovens
nesse aspecto?
Podemos citar um dado da pesquisa educacional: os seres humanos aprendem melhor
quando estão ativamente envolvidos do que quando são receptores passivos. Nesse
sentido, a perda da tolerância por modos passivos de aprendizagem pode ser
positiva, pois contribui para que escolas e professores adotem uma abordagem
mais efetiva do ensino, na qual os alunos estejam ativamente envolvidos.
O que pode ser feito no cotidiano escolar?
Incentivamos os professores a explorar atividades que envolvam os alunos como
parceiros na construção ativa de conhecimento e aprendizagem. Para cada
disciplina, isso terá significados diferentes. Em estudos sociais, pode-se
incentivá-los a fazer pesquisa em temas pessoalmente significativos. Em
matemática, envolver o uso de objetos físicos para compreender relações
geométricas. Em história, usar narrativas prolongadas, incomuns e altamente
descritivas. Um bom modo de proceder é pedir retorno dos alunos e torná-los
participantes ativos em sua experiência de ensino e aprendizagem. Sem dúvida,
essa tarefa não é fácil. Distanciar-se de modelos de educação expositivos pode
ser extremamente difícil, mas a necessidade de ser criativo e inovador, além de
sensível às necessidades de aprendizagem dos alunos, sempre fez parte do
desafio de ser um grande professor. Desafie seus alunos! Desafie-os a não se
submeterem a um modelo de ensino mais antigo, porém desafie-os em seu próprio
mundo.
Crianças e jovens estão hoje mais sujeitos à multiplicidade e
simultaneidade de estímulos. Como a escola pode adaptar-se a tal realidade?
Pode não ser tanto uma questão de adaptação quanto de responsabilidade. Embora
os jovens sejam mais propensos às multitarefas, que seria mais precisamente
descrito como troca de tarefas (alternar-se rapidamente entre tarefas mais do
que executar várias tarefas simultaneamente), eles não são melhores nisso do
que os adultos. Não vemos a prática na troca de tarefas superando o que parecem
ser limitações cognitivas intrínsecas à mente humana. Se as crianças estão
sofrendo na qualidade de sua produção para cada tarefa que tentam realizar
simultaneamente, esta pode ser uma área na qual as escolas devem opor-se à
mudança, em vez de aceitá-la.
Como a maioria dos professores e adultos com os quais as crianças convivem é
de imigrantes digitais, a utilização das novas tecnologias ainda é muito lenta.
Qual seria a atitude mais adequada em relação às ferramentas tecnológicas?
A atitude mais adequada é a de abertura a novas ideias mesclada a um ceticismo
saudável. Está errado aceitar indiscriminadamente toda nova ferramenta que
aparece, assim como está errado rejeitar tudo e ansiar pelo retorno às
circunstâncias das gerações passadas. As vantagens de ferramentas como
computadores, internet, jogos eletrônicos, leitores eletrônicos e dispositivos
móveis são muitas. As desvantagens incluem problemas como dependência de
internet, bullying cibernético, acesso à pornografia e a conteúdo inadequado,
permanência de registros eletrônicos e prática de “sexting” (envio de conteúdo
sexual pelo celular), as quais podem ter consequências imprevistas, como roubo
de identidade e mau uso de informações pessoais, além da facilidade de atacar
anonimamente a reputação dos outros. Devemos estabelecer limites para a
utilização dessas ferramentas, mas reconhecer que as necessidades de limites
são sociais, e não tecnológicas. As melhores soluções não consistem em
simplesmente proibir crianças e adolescentes de usar a tecnologia ou dizer-lhes
que só podem usá-la por um período limitado de tempo. As melhores soluções
consistem em orientá-las sobre como utilizar melhor as ferramentas
tecnológicas.
Que benefícios o mundo digital oferece aos jovens, considerando-se como
referência as recentes descobertas sobre a plasticidade do cérebro?
Embora existam preocupações quanto ao modo como as informações são transmitidas
— grandes volumes muito rapidamente, o que pode levar à diminuição da
capacidade de atenção e a uma menor habilidade de se aprofundar na informação
—, também devemos reconhecer que grande quantidade de uma ampla variedade de
informações está disponível como nunca antes. Isso é um enorme benefício. Essas
informações não são apenas estáticas, tais como uma página da Wikipedia; elas
podem chegar através de fóruns eletrônicos, quadros de mensagens, salas de
bate-papo e sites de redes sociais. Os jovens têm capacidade de encontrar
mentores entre seus pares, e de ser eles mesmos mentores, para criar
informações e comunicação. Ferramentas digitais, como câmeras baratas,
programas de edição de áudio e vídeo digital, plataformas eletrônicas para
blogs e comunidades eletrônicas de criação de conteúdo tornam a
criatividade e o aprender a criar mais possível do que nunca. À medida que os
cérebros dos jovens são moldados pela experiência de crescer com mídias
digitais, cria-se um potencial para que eles se envolvam em muitas atividades
criativas, o que é extremamente saudável para mentes em desenvolvimento.
“Nossos adolescentes e crianças não veem uma divisão entre o digital e o
analógico exatamente como seus pais e avós veem. Os ambientes convergem”
Como as escolas podem preparar crianças e jovens para lidar com um ambiente
saturado de informações?
As escolas devem dedicar recursos que auxiliem os jovens a desenvolver boas
habilidades básicas de raciocínio analítico. Em um ambiente digital, essas
ferramentas analíticas ajudarão os jovens a trabalhar com os grandes volumes de
informação com os quais se deparam diariamente. É verdade que existem sinais
diferentes no universo digital, mais fontes de informação e ferramentas
diferentes para busca e descoberta de informações, porém as habilidades básicas
necessárias para distinguir informações úteis das inúteis são semelhantes às
habilidades que os seres humanos sempre precisaram ter a fim de prosperar nas
sociedades modernas.
Sem considerar o ambiente escolar, o que a sociedade poderia
potencializar nos nativos digitais, em vez de simplesmente proibir o acesso a
certas ferramentas?
Deveríamos enfatizar nos jovens sua criatividade, seu empreendedorismo e
ativismo, seja em ambientes digitais ou não. As ferramentas digitais podem
ajudar a tornar os jovens especialmente hábeis nessas áreas de trabalho e jogo.
As crianças também se divertem aprendendo ou usando ferramentas digitais e, ao
mesmo tempo, realizando atividades altamente produtivas que ajudar nossas
sociedades.
Qual o papel desempenhado pelos professores para evitar as barreiras
linguísticas e culturais que estão sendo construídas contra os nativos
digitais?
Os professores devem arregaçar as mangas e envolver-se em ambientes mediados
digitalmente junto com os alunos. Nossos adolescentes e crianças não veem uma
divisão entre o digital e o analógico exatamente como seus pais e avós veem. Os
ambientes convergem. Os professores devem ajudar as crianças a administrar esse
ambiente convergente — em parte fazendo isso junto com elas.
Como as escolas podem tirar vantagem da crescente criatividade eletrônica?
As escolas devem considerar as abordagens de aprendizagem baseadas em projetos
que transmitem habilidades relevantes às crianças e gratificam a criatividade
digital. Existem muitas formas de encorajar a crescente criatividade
eletrônica, e as escolas têm um papel importante nisso, desde o tipo de tarefas
que solicitam às crianças até o tipo de habilidades que ensinam na instrução
cotidiana.
Créditos das
imagens:
Fotos: Divulgação Disponibilizado
no site-http://www.grupoa.com.br/site/revista-patio/artigo/5854/a-escola-na-cultura-digital.aspx